António, 19 anos
Ao reflectir sobre a minha história de “coming out”, chego à conclusão que me coube a sorte de não sofrer muito até agora.
Já muito cedo, tive a consciência que era um “garoto especial” (expressão que eu usava, quando tinha cerca de três a quatro anos, ao assumir algum protagonismo). Gostava de ser diferente.
Penso… e só consigo formar uma cadeia cronológica da minha vida a partir do momento que chego a Évora e ingresso no Ensino Básico. É verdade que sempre que me revejo enquanto criança e adolescente, só consigo passar despercebido junto dos que melhor me conhecem.
Comecei a aperceber-me da minha orientação sexual muito cedo. Aos doze anos ingressei numa Escola Profissional de Música onde eu tinha um professor de Piano, Formação Musical e Formação Auditiva que tinha uma postura que correspondia linearmente ao estereótipo, criado pelas pessoas em geral, do homossexual. Nunca se passou nada entre nós, apesar de eu lembrar que, no momento e da minha parte, não estava fora de questão. Talvez eu estivesse mais interessado no meu actual melhor amigo. Acabei por sair desta escola no ano seguinte com um desgaste incalculável, não só porque realmente a minha vida não passava por tocar um instrumento, mas também porque a minha relação com o referido professor começou a pesar, a chegar ao ponto de não o conseguir suportar.
Voltei à escola pública e por ter na turma um rapaz que pela sua exagerada atitude de “bicha” era flagrantemente a chacota da turma, eu acabava por passar mais ou menos despercebido. Enquanto frequentava o décimo ano de escolaridade, portanto em 1999, comecei a frequentar salas de chat através da internet de temática gay. Por aqui marquei o meu primeiro encontro em que fui dar uma volta de carro com um rapaz, cerca de 12 ano mais velho do que eu. Eu encontrava-me no mais alto estado de nervos… quase nem conseguia falar e não parava de tremelicar.
Pelo 11º ano namorei uma rapariga durante 6 meses. Este relacionamento serviu como teste em relação ao que eu realmente queria da vida.
Aos poucos, fui desenvolvendo dois grupos de verdadeiros amigos. Assim conseguia ser eu próprio tanto na escola como nos tempos livres. Em mim foi crescendo a auto confiança do que eu queria para o meu futuro, sem que para isso, o peso da opinião dos outros tivesse qualquer importância. Sempre ouvi e até hoje ouço rumores de que os meus colegas de turma ou mesmo apenas conhecidos desconfiam que eu seja homossexual.
Com o “stress” de final de secundário - os exames à porta, aulas, desporto, explicações e para agravar toda esta situação fiquei doente com uma Mononucleose Infecciosa (mais conhecida como doença do beijo) - é lógico que não aguentei e, numa noite, quando cheguei da natação, a minha mãe já vinha adiando o “cheque mate” há algum tempo e falou comigo. Como eu sempre fora um miúdo mais maduro do que o habitual pelo que resolvia todos os meus problemas e mais alguns, com grande desenvoltura e sem qualquer auxílio dos meus pais, estes, nunca tiveram grandes preocupações comigo. Acontece que eu, pela primeira vez na minha vida, estava perante um problema sem conseguir resolvê-lo. Eu não conseguia contar-lhes, pois não queria que os meus pais perdessem todo o orgulho que tinham em mim. A minha mãe ainda tentou descobrir o meu problema mas nunca iria conseguir pois, como ela posteriormente confirmou, era a última coisa que pensava de mim. Custou-me um pouco a acreditar pois diz-se que “as mães sabem sempre” mas pelo visto, nem sempre, mesmo quando nos vêem a fazer tapetes de Arraiolos, a costurar e outras coisas do género em companhia delas. Acabei por eufemizar o problema ao dizer que “gostava mais de rapazes do que raparigas”. O silêncio instaurou-se. No momento, eu achava muito pesado contar à minha mãe e também ao meu pai mas, a minha mãe achou que o problema deveria ser resolvido o mais rapidamente possível e foi imediatamente dizer ao meu pai que eu estava com um problema grave e que eu queria falar com ele (a minha mãe queria que fosse eu a contar-lhe). Qual não foi o meu espanto que quando ele chegou perto de mim me disse que já vinha sabendo há algum tempo, não tinha era a confirmação. A minha mãe ainda me propôs ir a médicos para me “virar” mas eu expliquei-lhe que “a homossexualidade não é nenhuma doença portanto não existe nenhum tratamento”.
Hoje vivo com o espírito aberto e com mais confiança nos meus pais do que nunca e tenho consciência que me tornei numa pessoa mais humana mas também mais frágil emocionalmente.
Acho-me uma pessoa feliz, pois sinto-me autêntico por natureza, sem ser penalizado por isso.