Miguel, 23 anos

Eu nasci e vivi sempre no Porto. Cidade com alguma dinâmica mas que sempre achei uma aldeia, já que é impossível sair à rua sem encontrar ninguém conhecido.

Agora com 23 anos achei que estava preparado para sair do armário. O processo foi longo e nem sempre fácil (que novidade!!!!). As primeiras memórias que tenho são do meu nono ano de escolaridade, é por essa altura que me lembro de começar a olhar para rapazes e a sentir coisas estranhas dentro de mim. Mas achei que não era nada e durante dois anos não liguei ao assunto. O caso torna-se complicado quando me apaixono pela primeira vez por um rapaz. Achava que ele era o máximo, lindo, inteligente,…, enfim, mas que me deixa de rastos quando diz que: - Paneleiros, era pô-los todos na fogueira… Caiu-me tudo! Mas a paranóia ainda durou uns tempos.

Aos 18 anos, e com a minha mãe a interrogar-me sobre se eu tinha ou não namorada, não aguentei e disse-lhe: Mãe! Se calhar eu gosto é de rapazes… Bem chorámos os dois baba e ranho e o silêncio instaurou-se. Ela entretanto começa a impingir-me tudo quanto é raparigas para ver se me salvava :) Cheguei mesmo a namorar com algumas e a gostar delas. Mas, fazer amor com elas, isso!, não me dizia nada. Já com carro e carta, descobri no Porto um circuito de carros, o "Carrossel", onde numa tentativa de anonimato homens se engatam uns aos outros, e na maior parte dos casos têm relações sexuais quase sem saberem com quem. É, é estranho, mas como eu, era a única coisa a que se permitiam!!!!

Entretanto aparece a hipótese de fazer um inter-rail. Aproveitei a oportunidade de estar fora um mês para fazer algo que me apetecia há muito, furar a orelha. A minha mãe ficou em pânico, e surpreendentemente o meu pai diz-me que sabe que eu já pus a hipótese de ser homossexual, e pergunta-me se o brinco tinha alguma coisa a ver com isso. Respondo-lhe que não, mas fico maravilhado por ele já pôr a hipótese, não me dizer nada e continuar a tratar-me com o mesmo carinho!

Depois de terminar o relacionamento com uma das minhas namoradas (por motivos óbvios), andei meio deprimido e agreste, a minha mãe encosta-me à parede e pergunta-me como é que é? Concordámos então que eu iria fazer consulta com um psicólogo. Ao chegar à consulta pus logo as cartas todas em cima da mesa. Começámos os dois a trabalhar. Ajudou-me a resolver a ganhar coragem de me declarar à minha paixão masculina da época e a contar ao meu melhor amigo (foi um alívio e uma alegria imensa).

A terminar a licenciatura arranjei um namorado no "Carrossel", durou  pouco mais de um mês, mas foi o tempo bastante para contar aos meus pais. Contei a um de cada vez mas com os dois as lágrimas correram com abundância. O clima em casa ficou péssimo, acabei por não aguentar a pressão e terminei o namoro. Volto a ter uma namorada no fim do Verão, mais uma vez não dá certo!

Já  com o curso tirado, decidi que bastava de me enganar a mim próprio e de andar escondido, afinal não cometi crime nenhum, e se alguém se afastar de mim pelo que eu faço na minha vida privada, é porque essa pessoa não vale a pena. Também já era tempo de me passar a respeitar a mim próprio, já chega de arriscar a minha saúde física e mental por ter de andar escondido. Sou gente e tenho direito à minha felicidade! Telefonei a um colega meu da faculdade, que estava implícito que ambos sabiamos um do outro mas que nunca tinhamos esclarecido nada. Passei a frequentar o seu círculo de amigos, e encontrei o homem por quem estou apaixonadíssimo. É óptimo estar bem comigo e ser amado. Saimos os dois juntos e os medos de ser reconhecido desvaneceram-se, este sou eu! Não devo nada a ninguém, muito menos deixar de ser feliz porque alguém não acha bem.

É óbvio que continuo a ter calafrios cada vez que comunico a alguém de quem gosto muito. Esses calafrios têm passado porque surpreendentemente ou não os meus amigos aceitaram bem, e continuam a amar-me da mesma forma, ou ainda mais porque há ainda mais autenticidade. Alguns passam por um período de habituação mas nunca põem em causa a nossa amizade :)

O meu pai também já sabe, não me deu os parabéns mas pediu algum tempo para se habituar à questão, mas também me disse que nunca duvidasse que ele me ama, e que por muito que lhe custe que esta seja a minha sexualidade, que só me quer ver feliz!

Também tenho a agradecer o apoio de alguns amigos pontuais que ao longo destes anos me foram apoiando e ajudando a encontrar-me. Agora sinto-me encontrado, reconciliado, também atento às dificuldades e às cretinisses ignorantes que vou encontrar. Mas o estar bem comigo dá-me estrutura para seguir em frente de cabeça erguida!