Hélder, 18 anos

Desde muito cedo me apercebi que não enquadrava nos padrões que a sociedade considerava como sendo “normais”. Lá no fundo sabia que as expectativas que tinham para mim, como arranjar uma mulher, casar e ter filhos não eram bem aquilo que eu queria. Não sabia o que sentia em concreto, pois a recordação mais antiga que tenho de sentir uma atracção por homens é de por volta dos cinco anos, logo, creio que nessa altura não sabia o que era a homossexualidade. Aliás, nem sequer sabia que tal coisa existia, sabia apenas que sentia algo por homens que não sentia por mulheres, algo que para mim, na altura, não tinha nome, vivia apenas com aquele sentimento, sem ter noção se estava certo ou errado para os outros, visto que para mim era algo instintivo, sem conotação positiva ou negativa.

Quando entrei para a escola não tive problemas com isso, pois, como criança que era, a minha prioridade era brincar nos intervalos, mas à medida que o tempo foi passando fui começando a relacionar-me melhor com raparigas que com rapazes. Talvez tenha sido isso que levou a que eu sentisse na pele a discriminação e o preconceito, pois fui imediatamente conotado como sendo homossexual; antes mesmo de eu o saber, ou mesmo antes de eu ter parado para pensar nesse assunto já muita gente me apontava o dedo. Apesar de eu saber o que gostava e o que queria, sentia um conflito interno, pois recusava-o, não queria ser assim, queria ser igual a toda a gente. Questionava-me muitas vezes o “porquê” de tal coisa me estar a acontecer a mim com tanta gente no mundo. Era algo que não compreendia e me deixava revoltado, pois estava a afectar o meu relacionamento com os outros.

Apesar de triste e revoltado com a situação nunca lidei muito mal, ou melhor, nunca me senti de rastos com isso porque as pessoas que me discriminavam nem sequer eram minhas conhecidas, a não ser de cara, pois cruzava-me com elas diariamente na escola. O caso começou a agravar-se quando entraram para a minha turma alguns rapazes que me apontavam o dedo. Depressa o rumor se espalhou dentro da turma e à mesma velocidade vi vários colegas virarem-me as costas, embora não directamente. Mas sentia que se pudessem evitar estar ou mesmo falar comigo o fariam sem pensar duas vezes. Curiosamente quem se manteve do meu lado foram as raparigas.  Tinha apenas um amigo rapaz que não me virava as costas, mas com o tempo também acabou por ser influenciado. Com os rapazes todos “contra” mim comecei a sentir pavor das aulas de Educação Física. Não pela aula em si, se bem que na altura não fosse propriamente grande coisa a desporto, coisa que hoje em dia adoro, mas sim pelos momentos passados no balneário onde tinha obrigatoriamente de me encontrar com eles, ouvindo por vezes coisas que não gostava nada. Portanto evitava ao máximo permanecer lá muito tempo, mal estivesse pronto vinha-me imediatamente embora de lá.

Tanto preconceito e discriminação que senti durante alguns anos, e ainda por cima tão novo, geraram em mim um complexo de inferioridade, tornaram-me um pouco desconfiado em relação às pessoas, fizeram isolar-me bastante, coisa que ainda se nota hoje em dia, pois raramente converso acerca dos meus problemas com alguém. Prefiro debruçar-me sobre eles e tentar resolvê-los sozinho. Esta situação fez também com que passasse a ser bastante mais selectivo com os amigos. Apenas comecei a notar que esse complexo de inferioridade começava a passar (pois ele não desaparece de um momento para o outro, nem creio que hoje em dia já não o sinta, mas julgo que para lá caminho) no secundário, onde tive turmas fantásticas, super unidas, onde sentia que era acarinhado por toda a gente. Pela primeira vez comecei a sentir-me útil, senti que afinal não era menos que os outros e finalmente estava a começar a sentir-me bem com a pessoa que era, quase sem complexos, fossem eles de que nível fossem.

Foi nessa altura que a possibilidade de eu ser homossexual me veio à cabeça. No entanto negava-o sempre para mim próprio, apesar de saber claramente aquilo que sentia, julgando eu que se o negasse e não lhe desse importância acabaria por passar. Esperava que quando entrasse para a faculdade tudo se tornasse mais fácil, que encontraria alguma rapariga por quem me viesse a apaixonar, mas tal não aconteceu.

Foi finalmente em Janeiro de 2003 que, depois de ver um documentário acerca da homossexualidade e depois de ver vários casais felizes, decidi que não podia andar mais tempo a enganar-me, pelo menos a mim. Então lá acabei por me aceitar como era. A partir daí comecei a procurar outras pessoas como eu para conversar, alguém com quem pudesse deitar cá para fora algo que estava fechado a sete chaves há bastante tempo, até que por casualidade encontrei o fórum da “rede ex aequo” e imediatamente me registei como membro. Mal enviei o meu primeiro post senti um alívio imenso, senti que me tinham tirado um enorme peso dos ombros, nem queria acreditar que finalmente estava a falar com pessoas como eu e sem precisar de dar a cara. Aliás, mantive-me completamente anónimo durante cerca de dois meses, até que aos poucos fui começando a conhecer pessoalmente algumas pessoas do fórum.

O passo da auto-aceitação já estava dado, mas sentia que havia outro a dar, sentia necessidade de contar aos amigos e algum tempo depois decidi a quem o ia fazer. Contei a três amigos porque acreditava que iriam ser os que melhor iriam reagir e felizmente não me enganei. Para já não tenciono dar mais nenhum passo, não tenciono contar a mais amigos nem confrontar os meus pais com essa situação. Ficará para um dia mais tarde quando tiver a vida mais estável e já não depender tanto deles. Para quando atingir um maior grau de independência, pois aí creio que custará menos para ambas as partes. Entretanto vou vivendo o meu dia-a-dia normalmente, como sempre o fiz, mas com a sorte de ter amigos que me apoiam e me ajudam a ultrapassar cada obstáculo que encontro.