Miguel, 20 anos
É interessante ver quão parecidas algumas histórias de coming out podem chegar a ser. Ao ler as publicadas aqui no site, descobri que a minha tem muitas semelhanças com as de outras pessoas.
Até certa altura da minha vida, por volta dos 16 anos, não pensava muito na minha sexualidade, nem, quando o fazia, tinha quaisquer tipos de problemas interiores com isso. Durante a primária tive o que considero as minhas primeiras experiências homossexuais (muito embora tudo o que é psicólogo diga que nessa idade a sexualidade ainda não está definida), que consistiram em carícias da minha parte com dois colegas (ao que sei, ambos hetero - acho que nem se devem lembrar dessas experiências), algo que aconteceu apenas três vezes. Nada do que fazia me trazia remorsos ou sentimentos de culpa. Apenas me sentia bem com aquilo, não estranhava. No entanto, os meus colegas, talvez por me dar melhor e relacionar mais com raparigas do que com rapazes, desde cedo começaram a "rotular-me" e impropérios pouco simpáticos eram prato do dia (aliás, foram-no até ao final do 12º ano, é o que dá viver numa cidade pequena encalhada no meio de um vale, no interior do país…).
Do 5º ano até ao 9º, 10º, aproximadamente, não tive mais contactos relevantes, não pensava simplesmente em sexo e na minha sexualidade. Pouco comum para um adolescente, de facto, mas uma realidade, no meu caso. Costumo dizer que estava demasiado ocupado para viver a adolescência normalmente: tinha muito trabalho na escola, para manter as notas altas, e também não me relacionava muito com os colegas - quer por vontade própria, porque os achava falsos, quer por "vontade alheia", visto que eles me afastavam, directa ou indirectamente (o que dói ouvir bem nestas situações…), por me considerarem "bicha", "paneleiro" e essas coisas mais que já todos ouvimos vezes demais (e que eu na altura nem sabia bem o que eram - para mim um "paneleiro" ainda era um senhor que fazia panelas…). A única vez que tive algum contacto sexual relevante foi, pasme-se, quando no Quinto ano uma colega me pergunta se me podia dar um beijo (na cara, presumi, mal, eu), ao que acedi; e em vez de um beijo na cara vem um beijo nos lábios, que nem sequer gostei. Fora isso, também foi no Quinto que "conheci" a minha mão direita :P, justamente com um anúncio das televendas, em que entrava um rapaz bem jeitoso. Mais indícios, que ignorei por completo.
Chegados aos 16 anos, a coisa começa a "descambar" (lol). Em casa, trocamos o velhinho 286 por um Pentium Pro 180 e acrescentamos a Internet passado algum tempo. Curioso como era, acabei por procurar coisas relacionadas com a homossexualidade (mais sites de sexo que outra coisa, bem como o chat), esse "bicho papão" que toda a gente abomina e que só havia pouco tempo descobrira o que era, através de uma reportagem da SIC (passando a publicidade) que gravei à socapa dos meus pais - fiz a tolice de lhes dizer que gostava de ver… - e que vi várias vezes desse dia em diante. Lembro-me que, ao ver a reportagem, não achava, como toda a gente que ouvia a falar do assunto, que "essa gente" fosse nenhuma aberração, embora estranhasse, obviamente, quisesse conhecer alguém "para saber como é" e achasse muita "graça" ao livro de desenhos que era folheado nessa peça. Os indícios avolumam-se, como dá para ver…
No 11º dão-se dois acontecimentos que não vou esquecer e que começaram a mudar a minha forma de ver o mundo. A primeira foi ter ido ver, com a minha prima e o marido, o filme "American Beauty", com as suas passagens com ligações homossexuais. Novamente, achei graça, e já mais natural. A segunda foi uma conversa de recreio com os meus colegas. Acontece que se constou na escola que dois rapazes (7º ano!) foram apanhados no WC a ter relações sexuais; claro está que choveu uma torrente de insultos aos "paneleiros", "maricas", etc., e ao que eles mereciam. Foi aí que me bateu, que eu também era capaz de ser gay. Escusado será dizer que fiquei chocado, pois não pensava que isso fosse acontecer comigo. Acabei por falar com um colega (por quem estava atraído…) sobre o assunto. Disse-lhe que estava com dúvidas, que não sabia o que seria, e "concluímos" que devia ser só uma fase. Desde esse dia até hoje, muito embora estarmos distantes e quase nunca nos falarmos - ainda não tive a oportunidade de lhe contar "como deve ser" -, é um dos meus melhores amigos.
Durante esse ano e o seguinte, tudo fiz para que a "fase" passasse o mais depressa possível. Afastei-me de tudo o que tivesse a ver com a homossexualidade (em vão, em menos de uma semana acabava por voltar a "pecar"), tentei encontrar "à bruta" interesses nas raparigas, cheguei ao cúmulo de tentar namorar no 12º ano (felizmente a rapariga não aceitou, ia magoá-la demais). Tive, de facto, uma "paixoneta de um dia", daquelas em que ficamos aéreos sem pensar em mais nada, por uma rapariga; ou, melhor dizendo, pelos lábios dela. Mas, além de o meu melhor amigo já estar interessado nela, o sentimento parecia-me forçado e falso…
Dou graças por não haver o curso que estou a tirar na minha cidade de vivência. E isto porque foi a partir da altura em que entrei para a universidade que decidi "tirar as dúvidas". Entrei no chat com mais frequência, comecei a ter conversas interessantes, marquei encontro pela primeira vez. Ainda me lembro. Março (ano passado, apenas), 6 da tarde, uma Segunda-Feira. Chovia. E eu tremia por todos os lados. Estava tão nervoso que os vidros do carro ficaram completamente embaciados do meu lado. Mas gostei: afinal, um gay não é esse papão que todos dizem ser. Correu tão bem que, dois dias depois, dei o meu primeiro beijo de sempre (e segundo, terceiro, etc.). A um rapaz. Fui às nuvens, nunca nada me soubera tão bem. E, ao mesmo tempo, era tão natural… Isto, de início. Porque, quando tudo assentou, começaram os remorsos e chegou a revelação de que, afinal, era mesmo aquilo que me chamavam… Os meses seguintes foram muito duros, com um conflito interno monumental. Tive um colega, no entanto, a ajudar. O primeiro amigo que fiz na universidade (primeiro de bastantes, felizmente). Desesperado, a precisar de desabafar (como sempre, quando tenho um problema, conto a alguém, mesmo que seja um estranho), falo com ele. Homo-céptico, teve uma reacção frustrante. Disse simplesmente "E…?". E eu à espera que me batesse!
Desde esse dia, já contei a 7 amigos (rapazes e raparigas), todos colegas e todos com reações excelentes. Dois deles, um casal, já sabiam (tinham "montado o puzzle", como eles dizem); outra, uma perfeita estranha ao início da tarde, três horas e uma conversa gigante e super-profunda depois acabo por lhe perguntar se é lésbica, ao que ela responde negativamente mas pergunta o porquê da questão (e eu disse porquê… :P) - é a minha "namorada", para os meus colegas…
Cometi o erro de contar aos pais em Abril deste ano. Surgiu meio inesperadamente, após discussões violentas em casa. Não era para dizer na altura, mas acabei por fazê-lo porque já estava farto de esconder parte da minha vida aos meus pais. Digo que foi um erro porque desde esse dia que a minha vida se tornou um pesadelo constante. Homofóbicos até à enésima potência, os meus pais já fizeram de tudo para me "tratar"; quando há discussões, cada vez mais frequentes, os insultos estão lá sempre, dissimulados mas com toda a sua força; o controlo é apertadíssimo, mais ainda do que era antes; até acabei por perder o meu primeiro namorado.
Não sei o que será daqui para a frente. Começo a voltar a ter alguma esperança que as coisas mudem, a psicoterapeuta a que vou (e a que eles também já foram, embora não me tenham dito nada) tem feito um bom trabalho. Quem sabe se afinal já não vou ter de renunciar aos meus pais, as pessoas que mais amo mas que quase me obrigam a odiar…
Uma sugestão, já feita antes muitas vezes: vão com calma, quando quiserem contar a alguém. Se possível, tentem "sondar o terreno" com antecedência. Mudar o rumo de uma conversa entre várias pessoas para a homossexualidade de uma maneira que passe despercebido é fácil. Comigo funciona, e evito sequer envolver-me demasiado com pessoas que não têm o espírito aberto de tal modo que consigam ver que o mundo não é a preto e branco, há todo um arco-íris pelo meio…