Rita, 34 anos
Creio que o meu “coming out” não é de todo usual. Ou pelo menos se nestas coisas podemos falar de padrões, nem sei se terei alguma vez saído realmente desse armário que não escolhi para me esconder. A minha história de segredos e medos durou até aos 31 anos.
Desde cedo percebi que me era muito mais fácil – e natural – encantar por meninas, do que por meninos. No início, na fase da pré-adolescência, assustei-me. Perguntava-me a mim própria, “porquê eu?”, “o que é que se passa?” ou tentava pensar que “era uma fase”, “era apenas uma fase” e que isso (gostar de uma rapariga) não aconteceria sempre, mas só daquela vez. E rapidamente percebi que não era uma questão de escolha, era mais forte do que eu. Era tão mais bonito, encantador e fantasioso gostar desta ou daquela menina. Rapazes eram porreiros, apenas isso, não eram atractivos, não eram amorosos, não eram luz para os meus olhos. Esse tornou-se o meu primeiro segredo. Amar sempre às escondidas, não correspondida, sem verbalizar, e viver sob uma utopia, embrenhada em sonho, nada mais do que isso, e disfarçando tudo o resto o mais possível. Acreditando ou não que de outra forma não podia ser.
Passei a adolescência assim – estagnada pelo medo. E depois da adolescência veio a idade adulta, a tentativa de ocultar os meus sentimentos mais profundos, com o praticamente fictício envolvimento com rapazes, que nunca ia muito além, e que eu, naturalmente, era a única que sabia porquê, porque é que as coisas eram assim e não de outra forma. Vivi sempre assim, nessa espécie de prisão. Não saber o que fazer, ter medo de o fazer e ninguém conhecer.
Foi necessário esperar muito para verbalizar os sentimentos, o que insistira durante 31 anos (!!!) em esconder de tudo e todos, em abafar no mais íntimo de mim mesma, preocupando-me antes em trabalhar, em desenvolver toda uma série de mecanismos e actividades paralelas que não me dessem tempo de olhar para dentro. Esse “coming out” (ainda que tenha dúvidas se o foi realmente) aconteceu numa fase terrível da minha vida. O meu pai e o meu irmão tinham morrido há pouco tempo, e sentia-me sem norte, sem estrutura, eram muitos problemas para aguentar e algum teria que sair. E foi isso que aconteceu, impulsionada talvez pela postura da mulher mais bonita que conheci na minha vida, por quem me viria a apaixonar, mas que amava (e ama) de maneira diferente da minha. Contei tudo o que me doía e me impedia de ser feliz. Dizendo que era um “peixinho que não encontrava peixinhos iguais neste aquário que é a vida”. Foi um primeiro passo para contar a algumas pessoas qual era a “minha diferença”, enfim a algumas pessoas importantes que continuam aqui e gostam de mim.
Hoje tenho 34 anos, continuo gradualmente a fazer este “coming out” sem saber muito bem o que é o Amor no Feminino, mas com a certeza de que é Amor. E, sem querer cair em lugares comuns, com a convicção de só podemos ser felizes com Amor, que é assim que a vida vale a pena ser vivida. Amor entre Homens, Amor entre Mulheres, Amor Heterossexual. O que interessa é a capacidade rara das pessoas se amarem realmente. Nunca é tarde para… mesmo que o tempo tarde em passar.